10.9.07

Eu, amanhã I

Velho, ranzinza, com uma inteligência que não me satisfaz, sozinho.
Teria muitos livros, dois gatos, antigas paixões mal sucedidas, que fizeram os amantes sairem da cidade.
Frequentaria cafés charmosos, teria um ar de orgulho inabalável e de poucos amigos, literalmente.
Imaginaria compromissos para parecer importante, mas num convite qualquer cancelaria os mesmos.
Manipularia colegas de trabalho atrás de uma companhia ao meu nível ou melhor, mais jovem e sensível.
Tirando proveito de uma confiança interesseira, guardando segredos e agindo maldosamente ingênuo.
As pessoas iram confiar em mim parar guardar segredos, mas em quem eu confiaria para guardar os meus ?



"Pessoas como Sheba pensam que sabem o que é ser solitária.
Mas daquela solidão de gota, que dura para sempre, não sabem de nada.
Como é imaginar um fim de semana só para visitar a lavanderia.
Ou permanecer intocada de modo tão crônico que o toque acidental do motorista do ônibus manda
um choque direto para suas entranhas.
Disso, Sheba e pessoas como ela não fazem idéia."

8.9.07

A Locadora - O Primeiro Dia




Cinco meses depois que eu terminei a escola, Givago me chamou para trabalhar na locadora onde ele era o gerente.Já tinha ido lá várias vezes pegar filmes grátis, graças a ele mesmo.Sempre foi um “sonho” meu trampar numa locadora, tanto pelos filmes grátis e também pelo filme O Balconista de Kevin Smith que tanto mexeu comigo.
Ia trabalhar das 10:00 as 16:00 todos os dias, uma folga por semana numa locadora localizada num bairro de “classe A”.
Fiquei realmente contente, meu primeiro emprego, filmes, trampar com amigo, enfim...
Na noite anterior do primeiro dia, como sofro de ansiedade, não consegui dormir, na verdade não dormi nem no meu quarto, fui para a sala porque uma barata tomou conta do quarto.Foi horrível, ela subiu em cima de mim, descendo pelo meu braço!Levantei correndo, peguei um travesseiro e meu edredom e fui para o sofá.
Ia começar na parte da noite como treinamento, pois tinha mais movimento.
Cheguei por volta das 15:30 e subi para o escritório.
Lá estavam almoçando Givago e Nilson, era comida chinesa.
Sentei do lado de Nilson que me ofereceu suco, Givago disse:
- Cuidado, ele é soro positivo.
Eu, assustado, os dois gargalharam.
Ri para não ficar chato.
Já conhecia o humor negro do Givago, eu também tinha um pouco desse humor, mas espalhar doenças que os outros tem (e até hoje nem sei se é verdade) foi demais.
Hoje dou risada do acontecimento e espalho falsas (e até verdadeiras) doenças por aí.O importante é deixar o mito vivo.Não importa como.
Conheci também Mariana, a garota que eu deveria substituir.Mas por outros fatores acabei substituindo outra menina, a Gabrielle.
Mariana cuidava do sistema da loja e segundo Givago, Guto, o dono da loja, detestava ela, mas Mariana era competente no que fazia.
Aprendi a fazer um cadastro e também soube mais das promoções e como funcionava o envio de filmes para a loja, que ficava no térreo.
No primeiro andar, no escritório ficava um buraco que descia até a loja, descíamos os filmes pelo buraco, que ficavam numa espécie de fichário dentro de gavetas enormes.
Pelo MSN digitávamos o código de cada filmes para que, quem ficasse no escritório, descesse os dvds.Complicado?Nem tanto.Tente agüentar a cara feia de certos clientes que reclamavam da demora.Demos o apelido de “escotilha” no buraco por causa do seriado Lost.
Desci para a loja para começar meu primeiro dia e conheci Cleiton, que trampava nela desde quando abriu, assim como Mariana.Cleiton é um cara legal, gay assumido, mas discreto e amado pelas clientes da loja, tem um ótimo gosto e sabe indicar filmes!
Apesar do nervosismo o primeiro dia foi tranqüilo.
Depois das 18, entrou um cara com um capacete e perguntou pelo Cleiton.
Eu disse que ele estava fora.
O motoboy perguntou se eu era novo e eu confirmei.
Perguntou também se eu também era frutinha como todo mundo da loja.
Eu disse que não era.
Depois ele me ofereceu sorvete que estava tomando, e eu educadamente recusei.
Ele disse que era bom mesmo porque eu estava muito gordinho.
Fiquei espantado.
Como dizer isso de uma pessoa que você numa viu na vida?
Absurdo.
Toda essa cena assistida pelo Givago que arrumava alguns filmes, ele estava vendo como eu me saía na situação.
E não poderia me sair melhor: ri para não ficar sem graça.
Depois soube que o motoboy (com forte sotaque carioca, todo malandrão) trabalhava perto daqui e a namorada dele trabalhava no shopping (ficávamos atrás de um shopping de “luxo”) e que eram amigos do Cleiton.Hoje em dia o motoboy carioca ainda visita a loja, sempre com piadinhas péssimas e constrangedoras.
Depois entrou uma cliente nervosa dizendo que não ia pagar pela locação porque tinha cena de estupro no filme, um dos primeiros de vários momentos surreais que eu iria presenciar.
As horas foram passando, atendi um cliente que trocou de filme, quando fui fazer a cancelamento, acabei cancelando outros pedidos, alguns deles feitos pela Internet.
Nossa locadora conceitual locava filmes pela Internet também, entregamos e retiramos sem taxa, das 18 as 21.
Fiquei em pânico, não sabia o que fazer.Quando fui tentar consertar acabei adiando algumas devoluções, mas o Givago e a Mariana consertaram tudo.
No fim do dia, o caixa fechou sobrando uns trinta reais, nada mal para meu primeiro dia.
Voltando para casa percebi o quanto estava feliz, com tamanha mudança de vida, ganhando minha própria grana, conhecendo gente nova, vendo vários filmes de graça.Vi que estava no caminho certo, mal eu sabia o quanto estava enganado.
Continua...

4.9.07

Como se não fosse sábado



Currículos enviados, ajudas solicitadas, amigos avisados.
Quero muito sair da locadora.
O alzheimer da minha vó está piorando.
Agora que divido um quarto com ela, é impossível dormir.
Acordo de madrugada com ela acendendo as luzes e procurando roupa, reclamando
de tudo e de todos e questionando o fim dos remédios eternos.
As brigas aumentam, cada um jogando passado na cara do outro e meus
fins de semana durando no máximo duas horas.

Trabalhos da escola atrasados, vontade sumindo e obrigação
te puxando pelo braço.

Brigas e cara feia da minha mãe não aguento mais. pede pra eu ajudar financeiramente
em casa, mas ela se esquece que recebe quase 8 vezes a mais que eu...
Minha família que se ofende muito ou eu que sou desprovido de emoções mais complexas ?
Estou acostumado com o tédio, nada mais me ofende, nada mais me interessa, porém estou mais sensível ao sentimentalismo barato.
Não mostro o que estou sentindo, o que estou sentindo é muito pouco.
Amigos distantes, eu mais distante ainda, me protegendo de algo que nunca irá me atacar...
The state that i am in..

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