5.9.16

Não é o que você diz, mas como diz

De que me serve fugir se não posso viver com um nome pesado demais ou terrivelmente leve; se não posso deixar de sentir um peso em meu peito e um vazio em minha alma; se sou incapaz de cruzar a rua e gritar que estou vivo; se, por mais que eu me esforce, sempre desejarei ser outra pessoa com qualquer outra vida.
Como gritar no ouvido do mundo que estou apaixonado pelo nada?

Branca de Neve corria nua por uma floresta repleta de paradoxos. Alice se submergia em um mar de lágrimas e fantasias. Dorothy caminhava no vermelho sobre os caminhos amarelos da cidade Esmeralda. A virilidade do belo Príncipe encarcerou o monstro esguio.

Como sussurrar ao mundo que as crianças já não são mais crianças; que não queremos coroas, espadas, um cavalo branco, uma fada madrinha e nem um duelo mortal? Muito menos queremos uma passagem de ida ao país dos sonhos, onde as maravilhas não contêm um apartamento com varanda, carro zero e nem violência de gênero. E ainda pareça que não te quero, a realidade não poderia ser mais distante. Quero que acaricie meu céu e consuma meu inferno. Quero te declarar a guerra porque quero conquistar os teus latidos, ainda que esta noite o mar tenha hasteado uma bandeira de perigo. Mas quero que quando os cadáveres, silenciosos e sonolentos, que jazem sobre os restos de uma banheira de hidromassagem, não me peçam para que eu mude, não exigem que eu seja sincero. Me chame, se assim me deseja, me chame de serpente, porque sei que cabeças vão rolar, porque sei o que sente. Como te mostrar que não é o que você diz, mas como diz? Não consigo saber como te contar que os nomes carregam histórias e que as lendas nos nutrem de sonhos. Que as princesas já não querem cavalheiros porque eles preferem se matar com dos dragões.; que os meninas encontraram seus rostos ocultos caminhando sozinhas pela floresta e que já não mais temem o lobo, porque quero saber que já mais coisas além do labirinto, do País das Maravilhas, porque queremos ser a Rainha de Copas.

1.9.16

Estranhos conhecidos

Há algumas semanas um antigo amor reapareceu e foi muito estranho. Fazia mais de três anos que não nos víamos. Durante este tempo viveu muitas aventuras que me contou com muita energia. Viagens incríveis, outras coisas não tão bacanas assim. No final, contente por saber que está bem, tão vivaz, a perguntei por que queria me ver e me disse que se lembrava muito de mim mesmo sem nos falarmos por tanto tempo. Acaba de se separar do seu último amor e estava com vontade de recomeçar, de mudar algumas coisas do passado, talvez. Me disse coisas bonitas e entendi que, na realidade, não me estava falando diretamente a mim, mas a quem eu era, a quem fomos, a nosso passado. Fazem mais de três anos, pensei novamente. Recordamos de uma piada cujos detalhes eram distintos para ambos e rimos disso. Ao nos despedirmos me propus a ficar, mas hesitei. Seria tão sincero, pensei. Mas declinei essa opção. Por que?, me pergunto. Suponho que porque já tenho minha vida, porque não me senti reconhecido como um cara com quem conversava com tanta ilusão, porque se ainda creio que a vida é uma forma em espiral, não brilhamos o suficiente, ou ao menos não me recordo assim. E porque agora estou bem, mais tranquilo, e não quero que isto se quebre embora sei que se quebrará igualmente, porque nenhuma etapa é eterna. E porque, seja lá o que passei, prefiro o presente... Embora sigo me sentindo sozinho, embora nunca fui de encontro ao amor. Prefiro não voltar ao passado, mesmo que agora seja uma grande pessoa. Não contei isso a ninguém até agora.

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