(Ouvir você falar dele, fazendo ciúmes para um outro, nunca ouvi esse seu tom de voz. Tom de voz apaixonado? Só sei que ouvir você falando assim de outra pessoa mexeu com meus nervos. Nem terminei de comer. Me senti sozinho.)
Durante o almoço percebi outra pessoa triste na mesa. Gisele. Não esta nos padrões de beleza, mas ela é bonita. Tem um ar diferente das pessoas lá de dentro. Parece realmente sincera e honesta. Me cumprimenta sempre. Tem um ar tristonho de menina meiga. Vai ver ela nem estava se sentindo sozinha. Vai ver eu não queria me sentir assim. Me animei quando começamos a conversar sobre Paris. Ela foi para lá no ano passado e eu vou no mês que vem.
A tarde minha (outra?) paixonite questiona minha amargura e minha rudez. Estamos sozinhos. Disse que era um mal estar e não quis parecer grosso. Verdade. Perguntei se ela conseguiu achar um lugar para sair na sexta passada e ela disse que não. Brinquei dizendo que ela deveria então ter aceitado meu convite para um café. Sorriu e disse que um dia teríamos um dia só para isso. Fiquei vermelho.
Descobri que Sara Montiel morreu. Me lembrei de “Quizas, Quizas, Quizas”. Me lembrei de “In the Mood for Love”. Me lembrei de Thalita. Me senti mais sozinho. Meus olhos lacrimejaram de solidão pela primeira vez no dia. Me senti dramático. Fiquei quieto e ouvindo música durante o resto do dia.
Mirella me lembrou que meu aniversario esta chegando. Digo que vou ficar mais velho e ela disse que sou jovem. Digo a ela que sinto que vou morrer jovem. Que devo ter uns 2 ou 3 anos de vida no máximo. Ela manda eu calar a boca.
Indo para o metrô, dentro do ônibus, leio um trecho de Trópico de Câncer e sublinho a frase "As imagens são reais, mesmo que a história seja falsa".
Já no metrô, enquanto espero o trem chegar uma figura raquítica de boné chama minha atenção. É um senhor bem magro, alto e com tique. Balança a cabeça para frente e para trás. Parece ter saído de um hospital. O trem chega, mas não entro. Quero o mesmo vagão que ele. Passa mais um e depois outro. Ele não se levanta. Fico impaciente e decido tentar fotografar ele ali mesmo. Fico do seu lado e escondido consigo capturar aquele senhor raquítico e com tique no meu celular. Chega o trem, nem penso duas vezes e entro. Vejo que ele entrou também por outra porta.
Sento, pois minha mochila esta bem pesada. Cheia de planos e leitura. Ergo a cabeça para trás e um rosto estampado num cartaz sorri para mim de ponta cabeça. Down is the new up. O sorriso fica triste. Changes do Bowie no iPod. Meu estômago ronca. Fecho os olhos com força e um pensamento surge na minha cabeça: vou ficar sozinho para sempre. Esta é a minha certeza. Por um segundo penso nos problemas mais sérios do mundo e eu mesmo me censuro: foco na sua situação. Ficarei sozinho para sempre e nunca terei ninguém. Simples. Meus olhos lacrimejam de medo da solidão pela segunda vez no dia.
Troco de trem. Depois de alguns minutos, um homem bêbado levanta, passeia, se equilibra, põe a cabeça na porta, mas não sai. Depois ele volta a seu lugar. Balbucia algumas palavras enquanto estende a mão para cima como se pedisse esmola. Preciso fotografa-lo, eu penso. Próximo da estação final me posiciono na saída oposta e consigo fotografa-lo rapidamente. Não vi o resultado, mas acho que não ficou boa. Ele me encara gentilmente.
Já estou dentro do ônibus enquanto digito tudo isso no bloco de notas do meu aparelho. Ele para no farol e uma luz forte e alaranjada me faz parar o texto. Olho para fora pela janela e um equilibrista de semáforo com paus cheios de fogo sorri para mim. Hipnotizado com a cena mal percebo o ônibus acelerando.
Estou perto de casa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário