{Eu, desiludido, frustrado, em busca de uma aceitação desnecessária, amargo, cheio de angustia, de cabeça baixa, respiração ofegante, cansado de tudo ao meu redor.O que eu faço ? Nada!Sou um covarde, um idiota, destruo tudo que toco, patético, perdedor.Hoje é o primeiro dia do resto da minha vida, ah, sou um clichê ambulante.Se eu apenas deixasse de adiar as coisas eu seria mais feliz.Mas isso não iria me mudar, um gordo grotesco.Eu não usaria essas camisetas largas, como se isso adiantasse alguma coisa.Por que eu sinto que pedir desculpas pela minha existência?}
Descendo a rua com pressa, uma pressa frequente, ele passa em frente a um bar e pensa
duas vezes antes de entrar, tem que chegar o mais rápido até o hospital.A luz vermelha de um supermercado toma conta dessa rua suja, onde poucos carros passam, as pessoas andam apressadamente por ela com tranquilidade.Olhando no relógio sem parar, ele sente o celular vibrar.Tira o fone do ouvido.
- Onde você está Arnaldo ?
- To chegando, to chegando - diz ofegante - Tive que fazer um negócio antes.Mas to perto, já mandei minha mãe pra lá.
- Ela já chegou, pelo menos ela.
- Escuta, perai, não to ouvindo direito - desliga o telefone e apressa o passo, mas depois volta a caminhar com pressa regular.
Completamente vencido, sem vontades pessoais, sua aparência lembra alguém que não se preocupa com nada, muito menos com sua estética.A barba falha, os olhos caídos, óculos sujos e pele oleosa é o cartão de visita dessa pessoa que trabalha de qualquer coisa. Aos 35 anos, Arnaldo é completamente diferente de como era há quinze anos. Distante dos amigos da época, alguns já mortos, Arnaldo já não tem nenhum conhecido por perto, só lhe resta sua mãe.Seus amigos próximos debandaram-se atrás de sonhos pessoais onde ele não fazia parte dos planos, sua família foi se separando através dos anos, só vendo suas tias,tios, primos em datas festivas, mas não em todas.O que Arnaldo sequer foi um dia, nunca mais voltará a ser. Primeiro desistiu de perseguir seus sonhos, em seguida desistiu de te-los; vivia apenas para sobreviver, enquanto a morte não chegava.Era visto como uma chance falha pelos olhos familiares e olhos que já foram amigáveis. Mas algo o fez persistir um pouco mais.Apareceu uma razão.Uma razão que ele sempre prometera não ter, uma razão acidental,
uma razão viva.O celular vibra.Uma, duas, três, quatro vezes.
- Oi.
- Onde você está ?
- To aqui no centro, mãe.Como ela tá ?
- Tá bem, pode nascer a qualquer momento.
- Diz que eu to chegando...apesar que não vai fazer muita diferença se eu estiver ai.
- Não diga isso...Você tem que estar aqui, não pode perder o nascimento da sua filha.
- Eu sei, eu sei...to chegando...ele tá ai também ?
- Ela veio com ele...não arrume confusão.
- Não, não! Tchau, beijo.
Nove meses atrás, Arnaldo reencontrou alguém que ele já amou muito, uma das poucas pessoas , uma das únicas. Por alguma razão, ou sem qualquer razão, os dois ficaram por algumas noites.Desespero da parte dela ? Pena ? Remorço ? Arnaldo nunca soube o que a motivou para te-lo por alguns dias, já que Arnaldo estava acostumado a pagar por prazer. Como sempre fez em qualquer tentativa de relacionamento, ele estragou tudo.A relação que no passado nunca aconteceria, se desfez tão rápido como a surpresa que o pegou. Por um momento, nesses poucos dias de amor que deveria ter durado anos, ele estava feliz, não era uma felicidade química com que estava acostumado, nem uma felicidade falsa, que se esconde atrás de uma rotina sem aparentes falhas, mas uma felicidade que o fez repensar em como enxergar a vida.Mas Arnaldo sempre teve razão, a felicidade é química e tem curta duração. Os dois brigaram, ficou subentendido pela terceira vez que nunca mais iriam se ver, se falar.Duas semanas depois, Arnaldo recebeu um telefonema.
- Onde você está ?
- Já falei que to chegando!
- Eu nem sei porque ainda to ligando pra você, a companhia dela já está aqui cuidando dela.
- Escuta, olha, ela é minha filha, minha, eu to chegando, saco!
A insistência vergonhosa de Arnaldo em recomeçar o relacionamento obviamente não deu certo. "O que aconteceu entre nós foi um erro" ele ouviu da boca que já amara outras vezes. Arnaldo optou pelo aborto, ela lhe deu um tapa na cara. "Eu vou ter esse filho, sozinha, você vai poder ve-lo sempre que quiser, não precisa ajudar com nada". Arnaldo como sempre, sentiu o gosto da verdade.Não era um gosto bom, mas ficou na boca dele por muito tempo. Para enganar esse gosto entrou num bar e pediu seu drink favorito, tirando algumas moedas da mochila, pagou. Colocou pra dentro e foi embora, tinha que chegar até o hospital. Quando soube da notícia, sua mãe ficou muito surpresa. Era algo que ela não tinha mais esperança.Não gostou da
situação que ele criara em volta do relacionamento, mas era algo a se esperar do filho único."Você não está sozinho, tá" ouviu as palavras mais bonitas e falsas que a mãe já dissera a ele. A gestante permitiu com toda bondade a entrada de sua mãe em sua vida.Finalmente se conheceram, se tornaram íntimas, e ela percebeu claramente que nada que moldou esse homem que a engravidou foi culpa da mãe do mesmo. Dezoito chamadas não atendidas.Chegou ao hospital, pegou a credencial e subiu até a maternidade. Na sala de espera encontrou a mãe.
- Elas já foram, eu fiquei pra te esperar.
- Merda.
- Ela é linda, parece tanto com você - os olhos dela vermelhos, úmidos.
- Tadinha, o que importa é a saúde - disfarçou o nervosismo - Onde ela foi? Pra casa dela?
- Sim, ela disse que os amigos iam recebe-los.
- Quem levou eles ?
- Ele mesmo...
- Então vamos pra lá.
Durante esses nove meses ela já tinha arranjado alguém.Aos olhos dela, tão superior a Arnaldo que ele prometeu ajudar com tudo, era bonito, atencioso e bem sucedido.Arnaldo encontrara com ele apenas três vezes e não foi com a cara dele, na primeira vez questionou se ele a criaria como se fosse sua filha, na segunda perguntou o que ele estava fazendo ali e na terceira o comprimentou com cara de poucos amigos, mas já acostumado com a situação, como se pudesse vence-lo ou até se comparar a uma pessoa como ele. No caminho conversaram sobre sua vida.Arnaldo ficou mudo a maior parte do tempo.Estava muito nervoso. Nunca pensou que este momento estava tão perto dele. Chegando na casa da família da mãe de sua filha, deu de cara com a mãe dela:
- Escuta, não quero brigar, só quero ver minha filha.
Comprimentou as pessoas com vergonha, o irmão dela, e foi até o quarto, onde ela estava.
Encostada na cama, com o outro ao seu lado e uma parente que saiu depressa, estava em seus braços sua filha. Aquele vazio eterno no coração frio de Arnaldo parou.Sua respiração normalmente ofegante quase cessou de uma vez. Umideceu os lábios e tentou sorrir, saiu algo medonho.Queria que sua cabeça na porta fosse um sonho.
- Sua filha, Arnaldo.Que bom que você veio.
A menina era branquinha, tinha a boca dele, e os olhos verdes dos dois, cabelos castanho claro.Não parecia um bebê de comercial de fraldas, Arnaldo respirou aliviado.Era linda.Como alguém com essa beleza foi resultado de um material tão repugnante que era Arnaldo.
Ele fez um gesto com as mãos para segurá-la e a pegou nos braços. Tão pequena, tão limpa que Arnaldo quis devolve-la pra a mãe logo, para não sujá-la. Ele percebeu que os outros viam suas lágrimas como lágrimas falsas, lágrimas de desculpa, de entrega, de dívida, lágrimas que pedem perdão e dão razão as pessoas que a observam, lágrimas que choram por ninguém, mas ele não ligou para isso. Estava dentro de uma sensação eterna, confortável; que nada iria arruinar o momento, estava sendo observado por olhos que não viam nada há poucos momentos,e que agora já veem tudo. "O amor que você receberá talvez não venha da direção que você está fitando", sussurou. Tinha a filha perto dele pela primeira e última vez.
Só o empirismo e a necessidade salvam! Adaptação. Sempre.
10.8.08
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