27.4.13

Punições

Que toda destruição seja grande. Que não haja pequenas chacinas. Que as doenças se espalhem e infectem a todos, mas não os matem. Que a dor física seja tão intensa que eles queiram se matar. Mas que não consigam. Que todo o sofrimento causado pelo homem seja transformado em realidade. Que a própria realidade se mostre verdadeira. Eles merecem. Que o passado invada o presente com suas guerras mortíferas, suas batalhas sangrentas e pestes sem cura. Que o leite azedo amamente suas crianças. Que as dores de suas mulheres durem mil dias e mil anos. Que vocês sejam castrados. Que um chicote com sete mil tiras os fustiguem todos os dias. Que deus desça para pisares em vossas cabeças. Que sintam o gosto da terra. Que bebam do poço venenoso. Que espinhos nasçam em seus corpos para que na hora do abraço se machuquem. Que se transformem em cactos. Que o beijo tenha sabor de tristeza. Que seus corações sejam inflados de amor e que não haja nada a ser feito. Que o cheiro de ferro do sangue não saiam dos seus narizes. Que sintam somente a fome de vocês mesmos. Que não consigam levantar da cama. Que se transformem em insetos. Que vocês matem aquilo que ama. Mas que não morram nunca. Que todos vocês sejam levados para celas solitárias — mais de 7 bilhões delas — como castigo eterno. Que a sua miséria seja derramada em

25.4.13

José (25/04/2013)

Hoje fiz minha primeira abordagem para fotografar um desconhecido. José entrou na estação Anhangabaú e desceu na Barra Funda. José sofre de uma deficiência visual, mas não é completamente cego. Consegue apenas ver vultos. Ele ficou curioso, fez algumas perguntas, mas não foi difícil de conseguir a fotografia. O buquê de flores que ele segura é para sua esposa.

Alguns erros que cometi na abordagem e que precisam ser corrigidos:

- Não mostrei o resultado para ele (descobri da deficiência depois);
- Fotografei apenas uma vez. Eu estava muito nervoso com a situação. Sou muito tímido.
- Não fotografei o homem que estava acompanhando ele. Tinha personalidade e ficou observando a cena com muita atenção e um certo brilho nos olhos. Só consegui dar atenção a José.

13.4.13

Um pensamento intocável

Do sim ao não quantos talvez? Milhares. Inumeráveis. E estou bem no meio deles. Mas como acreditar em si mesmo? Não estou reclamando da minha vida, pelo contrario. Mas o meu histórico é de rejeição. Meu pai chegou a dar o dinheiro do meu aborto para minha mãe. Fui rejeitado pela criação e nem havia nascido. Antes de eu ter sequer pensar, já existiu uma pessoa no mundo que não queria a minha presença no mesmo mundo em que ela existia. Antes de eu nascer havia alguém que não queria que eu existisse. No fundo de todos os talvez este é o mais marcante. Como confiar em mim mesmo? Como confiar em mais alguém? Como se sentir querido? Como se sentir vivo?


É por isso que eu escrevo: para me esvaziar.

8.4.13

No dia em que Sara Montiel morreu eu me senti sozinho duas vezes

Não demorei muito para chegar no trabalho. O ônibus passou rápido. No ponto, fingi não reconhecer um ex-colega de classe. Chegando no escritório, deixei minha mochila no chão ao lado da minha mesa, liguei o computador, fui a copa buscar café e respondi um bom dia a alguém. Dei um beijo na Sil, a copeira. Gosto dela. Na hora do almoço M. começou a contar para a amiga sobre o menino com que ela estava no fim de semana.

(Ouvir você falar dele, fazendo ciúmes para um outro, nunca ouvi esse seu tom de voz. Tom de voz apaixonado? Só sei que ouvir você falando assim de outra pessoa mexeu com meus nervos. Nem terminei de comer. Me senti sozinho.)

Durante o almoço percebi outra pessoa triste na mesa. Gisele. Não esta nos padrões de beleza, mas ela é bonita. Tem um ar diferente das pessoas lá de dentro. Parece realmente sincera e honesta. Me cumprimenta sempre. Tem um ar tristonho de menina meiga. Vai ver ela nem estava se sentindo sozinha. Vai ver eu não queria me sentir assim. Me animei quando começamos a conversar sobre Paris. Ela foi para lá no ano passado e eu vou no mês que vem.

A tarde minha (outra?) paixonite questiona minha amargura e minha rudez. Estamos sozinhos. Disse que era um mal estar e não quis parecer grosso. Verdade. Perguntei se ela conseguiu achar um lugar para sair na sexta passada e ela disse que não. Brinquei dizendo que ela deveria então ter aceitado meu convite para um café. Sorriu e disse que um dia teríamos um dia só para isso. Fiquei vermelho.

Descobri que Sara Montiel morreu. Me lembrei de “Quizas, Quizas, Quizas”. Me lembrei de “In the Mood for Love”. Me lembrei de Thalita. Me senti mais sozinho. Meus olhos lacrimejaram de solidão pela primeira vez no dia. Me senti dramático. Fiquei quieto e ouvindo música durante o resto do dia.

Mirella me lembrou que meu aniversario esta chegando. Digo que vou ficar mais velho e ela disse que sou jovem. Digo a ela que sinto que vou morrer jovem. Que devo ter uns 2 ou 3 anos de vida no máximo. Ela manda eu calar a boca.

Indo para o metrô, dentro do ônibus, leio um trecho de Trópico de Câncer e sublinho a frase "As imagens são reais, mesmo que a história seja falsa".

Já no metrô, enquanto espero o trem chegar uma figura raquítica de boné chama minha atenção. É um senhor bem magro, alto e com tique. Balança a cabeça para frente e para trás. Parece ter saído de um hospital. O trem chega, mas não entro. Quero o mesmo vagão que ele. Passa mais um e depois outro. Ele não se levanta. Fico impaciente e decido tentar fotografar ele ali mesmo. Fico do seu lado e escondido consigo capturar aquele senhor raquítico e com tique no meu celular. Chega o trem, nem penso duas vezes e entro. Vejo que ele entrou também por outra porta.



Sento, pois minha mochila esta bem pesada. Cheia de planos e leitura. Ergo a cabeça para trás e um rosto estampado num cartaz sorri para mim de ponta cabeça. Down is the new up. O sorriso fica triste. Changes do Bowie no iPod. Meu estômago ronca. Fecho os olhos com força e um pensamento surge na minha cabeça: vou ficar sozinho para sempre. Esta é a minha certeza. Por um segundo penso nos problemas mais sérios do mundo e eu mesmo me censuro: foco na sua situação. Ficarei sozinho para sempre e nunca terei ninguém. Simples. Meus olhos lacrimejam de medo da solidão pela segunda vez no dia.


Troco de trem. Depois de alguns minutos, um homem bêbado levanta, passeia, se equilibra, põe a cabeça na porta, mas não sai. Depois ele volta a seu lugar. Balbucia algumas palavras enquanto estende a mão para cima como se pedisse esmola. Preciso fotografa-lo, eu penso. Próximo da estação final me posiciono na saída oposta e consigo fotografa-lo rapidamente. Não vi o resultado, mas acho que não ficou boa. Ele me encara gentilmente.


Já estou dentro do ônibus enquanto digito tudo isso no bloco de notas do meu aparelho. Ele para no farol e uma luz forte e alaranjada me faz parar o texto. Olho para fora pela janela e um equilibrista de semáforo com paus cheios de fogo sorri para mim. Hipnotizado com a cena mal percebo o ônibus acelerando.

Estou perto de casa.

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