31.12.18

Season Finale XII

Muitas vezes um passo para a frente não pode ser desfeito. Muitas vezes um passo para a frente significa seis passos para trás. E aí, como você dorme? E aí, como você vive? Como todo mundo vive? Essa é a sombra de pensamento que me acompanha. Como todos podem estar sorrindo? Eles não estão vendo ou vivendo o que estão na frente delas? E pernas não param quietas, e os pensamentos voam e o ar cessa e o peito dói. Eu realmente só queria andar meio desligado no meio da multidão. Dopado. Ou desligado sozinho no meu canto. E desta vez eu consegui. Mas eu não estou realmente sozinho. Posso estar, mas não estou. É complicado. Eu preciso tirar um retrato da minha cabeça. Analisar o que tem lá dentro. Pelo menos uma única tentativa antes de dar adeus a tudo que eu conheço. Como eu durmo? Com calor. Com frio. Com ansiedade. Com sede. Durmo lembrando dos momentos de embriaguez solitária em lugares desconhecidos. Durmo com vontade de repetir tudo isso e para sempre. Durmo ansioso querendo chegar logo aos sonhos e aos pesadelos. Durmo para chegar neste lugar descontrolado que é a minha imaginação. Meu "kumomi" dos sonhos aleatórios. Meus sonhos invertidos, onde o que está em cima, está lá embaixo e vice-versa. Porque o chão é azul e ele me faz rir. Espero conseguir o que preciso.

28.10.18

Eu não quero falar sobre isso hoje

Eu não quero falar sobre isso hoje. Hoje é um dia adorável. Não quero falar sobre o punhal fatal que arranquei do meu peito. Não quero falar sobre meu coração saliente. Hoje é um dia incomum. Não quero falar sobre os ratos que perambulam meu rosto inchado e inocente. Não quero falar sobre as ameaças desbravaras em cima de mim. Hoje é um dia molhado. Não quero falar sobre a minha falta de ar. Não quero falar sobre a minha saudade de afeto. Hoje é um dia curto. Não quero falar sobre as toxinas que ingeri à tarde. Não quero falar sobre o enjoo do perfume doce. Não quero falar sobre o medo que estou sentindo. Hoje é um dia estrepado. Hoje é um dia jazz. Não quero falar sobre o acúmulo de pendências. Não quero falar sobre o tempo. Hoje é um dia sem pressa. Não quero falar sobre minhas necessidades supérfluas. Não quero falar sobre os OVNIs. Hoje é um dia vazio. Não quero falar sobre o assunto do momento. Não quero falar sobre a lua que desapareceu. Não quero falar sobre os nossos lugares. Não quero falar sobre os meus não-lugares. Hoje é um dia sem mim. Não quero falar sobre a sua opinião. Não quero falar sobre a música que ouvi de manhã. Hoje é um dia mudo. Não quero falar sobre os apitos e zumbidos que ouvi. Não quero falar sobre os bons dias e boas noites cordiais. Hoje é um dia sem luz. Não quero falar sobre os moradores de rua comendo lixo. Não quero falar sobre todas as moedas no bolso da frente. Não quero falar sobre as coisas que perdi. Não quero falar sobre as coisas que ganhei. Não quero falar sobre as lágrimas que vieram do nada. Não quero falar sobre a minha insignificância. Não quero falar sobre os anônimos no meu caminho. Não quero falar sobre a cor azul. Não quero falar sobre meu riso louco de nervoso. Não quero falar sobre o meu câncer. Hoje é um dia. Amanhã será outro. Vamos marcar uma cervejinha para colocar o papo em dia.

13.2.18

Um dia antes da Quaresma

Eu me perdi de mim mesmo.

Venho colocando todas as coisas que me acontecem num pequeno armário cheio de gavetas. As pressões profissionais, as reclamações dos outros, as chateações, os rápidos momentos felizes, as longas tristezas, a gigante solidão que ocupa o mesmo espaço da grande melancolia. Não consigo mais viver o presente sempre despercebido e quando olho para o relógio já tenho que dormir que para acordar novamente e voltar a encher as gavetas loucamente. A pressa de dias curtos tirou o foco dos meus momentos. De mim mesmo. Já não existo mais para mim. Ou sinto isso. Vivo pela consciência automatizada. Sou levado por um rio violento até um penhasco. Sempre senti o penhasco, mas nunca o avistei. Agora sinto ele cada vez mais perto. Preciso de uma ponte, um suporte, uma boia salva-vidas para agarrar e respirar. Preciso de tempo para respirar. Preciso de tempo para mim mesmo. Preciso voltar ao que eu era. E o que eu era?

Preciso me reencontrar comigo mesmo.

Eu vivia o presente. Aproveitava os momentos (os bons e os ruins). Não precisava empilhar nada em armários e gavetas. Hoje eu não sou mais do que uma percepção. Uma percepção vazia. Passo despercebido enquanto o dia termina e a noite começa num contínuo viciante. E quando tudo se acumula, as gavetas estouram e me soterram em pensamentos destrutivos. O peso de tudo que foi guardado e acumulado nos últimos tempos me pressionam, mas força para reerguer eu não tenho. Encaro todo esse peso com uma feição assustadora. Estou realmente assustado. Quando foi que eu deixei de existir para mim mesmo?

Antes na minha caverna eu me sentia confortável com meus monstros e demônios. Eu os conhecia bem. Sabia nomea-los se preciso. Tratava-os bem. Fazíamos companhia uns aos outros. A caverna era amigável. Era minha morada.

Hoje quando consigo às vezes entrar nela, já desabo cansado, torturado por pensamentos cotidianos que martelam minha uma consciência até fragmentá-la em pedacinhos insignificantes que eu junto com as mãos e deixo numa gaveta. E as marteladas se repetem todas as noites.

Todas as noites. Todas as noites. Todas as noites. Todas as noites. Todas as noites. Todas as noites. Todas as noites. Todas as noites. Todas as noites.

Uma tragédia recente conseguiu me desfocar deste trabalho automático de desmantelar a minha consciência diariamente.

Uma vida jovem se foi para sempre. Uma alegria desapareceu. E eu me senti mais incompreendido do que antes. Ou melhor, me atentei a uma nova incompreensão.
A incompreensão da injustiça da morte. Ele se foi jovem e disposto e eu continuo vivo desperdiçando o que me resta com um passo mais próximo a inexistência. Apressando esse processo com vícios e maneirismos ridículos.

De um lado estou lotando gavetas e armários com fatores externos que tiram a minha atenção de mim mesmo e do outro lado castigo minha própria morada com toxinas e repelentes sociais. Só há espaço para monstros e demônios que me assustam: o monstro do ódio a mim mesmo, o demônio da auto rejeição, o monstro da indisposição pessoal, o demônio da depressão, a morte do ego.

A correnteza violenta do rio que me afluia ao nada hoje se transformou em longas e pegajosas sombras. A escuridão me asfixia e eu sinto a pressão negativa dentro da minha cabeça. Meus ouvidos ficam tapados e se contraem com as batidas do meu coração, meu pulso enfraquecendo, minha saliva secando, minha visão turvando. Os tímpanos se fecham. É a resposta do meu corpo para não querer mais ouvir essa merda toda. A infecção consome, as manchas vermelhas aparecem. Tudo quer sair de mim, mas a minha mente trancafia os armários e gavetas lotados de incompreensão. Meu corpo começa a expurgar de qualquer maneira. A natureza é divina, a biologia esperta. Uma auto sobrevivência é acionada na central de controle. A lombar se trava e a imobilidade vem. O dia pode até amanhecer, o sol pode até iluminar o meu quarto, mas a minha mente é só escuridão e desespero. Seria tão lindo e mais fácil se eu pudesse sonhar para sempre. Um mundo de sonhos somente para mim. Aceito até mesmo os sonhos obscuros a uma realidade intragável.

Minha auto-identidade não está morta por completo. Mas um processo revitalizante será necessário para eu me reencontrar na perdição de tantos pensamentos malditos acumulados.

O sentido de unidade se perdeu. Agora é tudo quantitativo.

Os espíritos estão atrás de qualquer luz durante a quaresma.

Anteriormente