Abri meus olhos involuntariamente, lutando com todas as minhas forças para voltar àquela condição em que o sonho me envolveu. Eu estava envergonhado de ter acordado. Fechei os olhos e tentei afundar de novo no outro mundo e fui expulso. Tentei todos os truques que já me aconselharam, mas nada. Era como tentar pegar uma bala no ar e faze-la voltar ao revólver.
O que restou foram os rastros do sonho. Em que me demorei para ler algum significado. Fui expulso dele para um mundo cuja solução para tudo é a morte.
Somente imagens pingando restaram. Recordações. Confundidas com a realidade. Realidade! Aquilo que abraça, sustenta e exalta a vida.
Recordação de um rosto. O rosto daquela que eu amava e perdi! Ampliado em uma beleza assustadora. Repentinamente entrando numa combustão espontânea e bela.
Lábios separados em sede. Lábios famintos. E como plantas exóticas que se contorcem e se chicoteiam na noite, nossos lábios que finalmente se encontram, fechados e selados.
Foi um beijo que afogou a lembrança de toda dor. Um tempo sem fim durou, por um período esquecido, como o espaço entre dois sonhos.
Depois estávamos separados olhando um para o outro com um único olhar hipnótico. Olhos unidos pela corrente elétrica do acontecido. Tudo era sem sentido. Como a união de dois ímãs, as partes sempre em busca finalmente se juntaram.
Outra recordação se fez reconhecida: sua voz antiga.
Então tudo foi interrompido. Uma escuridão profunda, mesclando os cenários e os personagens, sufocando o ar. Desaparecendo para depois reaparecer.
Agora ela está lendo em voz alta - passagens de um livro que devo ter lido.
Ela está deitada de barriga pra baixo, cotovelos dobrados, a cabeça nas duas palmas das mãos. Os lábios como duas pétalas que abrem e fecham. As palavras melodicamente disfarçadas.
É quando reconheço que são minhas próprias palavras que saem da sua boca. Palavras que nunca foram escritas ou digitadas, mas escritas na minha cabeça.
Percebo que ela não está lendo para mim, mas para um jovem deitado ao lado dela. Ele está deitado de costas e em seu rosto uma expressão de atenção de um devoto. Somente existem os dois, e o mundo não tem existência para eles. O que me separa deles é um abismo colossal, como um lago negro. Não há nenhuma possibilidade de comunicação. Eu tento desesperadamente enviar uma mensagem através do vazio, para que ela saiba que pelo menos essas palavras encantadoras são do livro da minha vida. Mas ela está fora dos limites. A leitura continua e seu êxtase só aumenta. Estou perdido e esquecido.
Então, por um instante, ela vira o rosto para mim, os olhos não revelando nenhum sinal de reconhecimento. A plenitude do rosto se foi. Ela ainda é bonita, mas não tem mais a luz fascinante. É o fantasma de uma beleza enevoada. Uma nuvem fugaz de uma lembrança. Ela agora desaparece como fumaça no império dos sonhos.
Se ela morreu no sonho ou eu morri, não sei se nos encontramos no outro plano. Dormindo e sonhando, não poderia dizer. Por um instante infinito de tempo nossos caminhos se cruzaram, a união consumada, a ferida curada. Encarnados ou desencarnados, nós estávamos agora indo para o espaço, cada um em sua própria órbita, cada um acompanhado de sua própria trilha sonora. O tempo, com seu rastro sem fim de dor, tinha se dobrado. Estamos distantes um do outro, mas não separados. Rodando como as constelações obedientes das estrelas. Nada além do silêncio, raios e brilhantes colisões no reino dos anjos.
Eu soube que encontrei a felicidade. Sabia outra coisa também. Que se fosse apenas um sonho ele acabaria, e se não fosse um sonho…
Meus olhos estão abertos e eu estou no mesmo lugar em que eu tinha ido para a cama na noite anterior. Outros ficariam contentes em chamar isso de sonho. Mas o que é um sonho? Só sei que os sonhadores, eles nunca aprendem. Fui drogado pelos esplendores desaparecidos de uma viagem fantasmagórica. Eu não podia nem retornar e nem partir.
Ela fez um aceno e me mandou um beijo de dentro do carro. Foi a última cena. Enterrada para sempre na minha retina.
Por fim, tudo foi uma ilusão. Esta é a minha conclusão. Por ora.
Só o empirismo e a necessidade salvam! Adaptação. Sempre.
19.5.19
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